domingo, 8 de janeiro de 2017

Parte 4 - O death metal, o grindcore e as blasfêmias primordiais no Maranhão



As primeiras expressões do death metal, no Maranhão, são do primeiro ano da década de 1990, quando a vertente já estava totalmente consolidada pelos Estados Unidos e Europa, influenciando definitivamente o underground mundial.

Por aqui, em São Luís, a banda pioneira desse subgênero do metal a se apresentar foi a Raiser Death, que logo no início era Over Death. Adriano Ribeiro explica:

A Raiser Death foi criada no início de 90, e ostenta essa "fama" de primeira banda de Death Metal do Maranhão. A formação original era: Jefferson (vocal), Maurício ‘Alicate’ (guitarra), Adriano ‘Podre’ (baixo) e Anuar Sadat (batera), inicialmente com o nome Over Death, que depois mudou para Raiser Death. Depois, Wellington ‘Revoltado’ entrou, e saíram Jefferson e Maurício. Eu assumi os vocais, e passamos a ser um power trio”.

Adriano também fala da dificuldade que enfrentaram à época em relação a estrutura de ensaio.

“Importante lembrar também que, no início, ensaiávamos na casa de minha mãe, no Maranhão Novo, onde ensaiava também o pessoal da Revertério (irmãos Burg e Erick). Depois, passamos a ensaiar no estúdio da Banda Peso. No início, nenhum dos integrantes tinha instrumentos. O estúdio da Banda Peso ficava na Rua das Cajazeiras, Centro. O Gilberto, dono da banda, foi importantíssimo, por nos ceder o espaço e os instrumentos. O som tinha influências claras de álbuns como INRI (Sarcófago), Morbid Visions (Sepultura), Altars of Madness (Morbid Angel) e Sexual Carnage (Sextrash), que eram também, até então, algumas das principais influências dos seus integrantes”.

Sobre os ensaios no Maranhão Novo, Jefferson lembra:

“Os ensaios eram na casa do Adriano, no Maranhão Novo, sem microfone. Vocal gritado!”

Ainda de acordo com Adriano, a música "Outrage" é a primeira executada por uma banda maranhense com a bateria em blast beat. A banda apresentou-se na edição do São Luís Rock Festival no ano de 91, executando, ao todo, quatro músicas autorais e o cover "Nightmare", da banda mineira Sarcófago.

Apresentou-se ainda na festa de aniversário do Grupo Difusora, na praia da Ponta d'Areia (com visual corpse paint, ao meio-dia), e em um evento no CSU da Cohab. No começo de 92, e sem qualquer registro fonográfico gravado, a banda encerrou as atividades, porém, imprimindo forte presença no imaginário underground ludovicense. 

Cartaz do "Sociedade dos Mutilados Festival", com várias bandas locais, entre elas Raiser Death e Ânsia de Vômito (Arte: Joacy Jamys)

Um detalhe importante de ressaltar em relação ao death metal, ao grindcore e especialmente ao black metal é que foram subgêneros bastante discriminados por outras vertentes (pelo menos as mais tradicionais) do Metal. Com postura mais agressiva musical e comportamental, os adeptos geralmente eram vistos com certa desconfiança, por conta do radicalismo, confusões em shows e ainda pelo conteúdo lírico anticristão da maioria das bandas. São fatos curiosos e histórias até engraçadas. Mesmo assim, essas bandas locais e entusiastas do estilo marcaram forte presença no cenário.

“Por volta de 1989, 1990, eu e Anuar estudávamos no Marista, um colégio cristão. Mesmo assim, com muita conversa, conseguimos rolar, na rádio da escola, cerca de 20 minutos de um tape do Altars of Madness, Morbid Angel, que havíamos pedido por encomenda. Foram 20 minutos de pura blasfêmia”, diz Adriano, ex-Raiser Death, atualmente baixo e voz no Unblooded.

Também faziam parte dessa “tribo” death metal Fabiano ‘Nombrega’, Paulo Júnior, Afrânio, Grilo, Jônio ‘Come Bala’, entre muitos outros.



Bom lembrar que após a saída da Raiser Death, Jefferson e Maurício ‘Alicate’ (Fome) deram início à Putrid Christ, com um posicionamento mais radical, de identificação ideológica no black metal, e sonora no grind/noise.

Jefferson explica:

“Eu e Maurício saímos (da Raiser Death) e montamos a horda (Putrid Christ) que era black metal. Depois entraram Grilo e Marcelo ‘Dunebune’.

Release da banda Putrid Christ
  
Reprodução capa do Sanctum Zine Nº 1 (RJ) - 199... - Putrid Christ na capa

A Putrid Christ é considerada a primeira banda com ideologia black metal do  Maranhão - embora fazendo um grind\noise -, e ainda chegou a gravar uma demo-ensaio. Jefferson também fala sobre o radicalismo:

“Gravamos uma demo, lá na casa de Carlos ‘Pança’ (Amnésia), no Cohatrac. Era Grilo, Marcelo e Maurício. Foda essa época, que surgiu o radicalismo... adolescente sem nada na cabeça... Aí, todo mundo seguiu o seu rumo... Nós tínhamos muitos contatos no Rio de Janeiro. Um deles era o Dorsal. Mandamos essa demo até para a Polônia... Essa demo nem era black metal. Era um black grind noise metal... Essa demo rolou muito na (Praça) Deodoro... Os encontros já eram na parte de baixo, em frente à biblioteca. Nessa época, a febre era grind noise... Black Metal veio explodir depois dos posers da ‘Noruégua’.”

Release Putrid Christ (Arquivo Pessoal-Slanderer)

Jefferson, ex-vocalista da Raiser Death e fundador da Putrid Christ e Nigrum (Arquivo Pessoal-Jefferson)
 
Pouco tempo depois, ainda segundo Jefferson, surge a Nigrum, “uma das primeiras Hordas de black metal do Maranhão”. A banda também chegou a gravar.

Quase concomitantemente, uma banda da cidade de Imperatriz, a 625 da capital maranhense, também iniciou trabalhos, inclusive, registrando uma demo-tape. Trata-se da Pandemonium, que nasceu de uma banda anterior chamada Vômito de Padre, segundo consta em releases divulgados pelo grupo da região tocantina. 

Release da Pandemonium - Imperatriz\MA (Arquivo Pessoal-Slanderer)

Release da Pandemonium - Imperatriz\MA (Arquivo Pessoal-Slanderer)

Reprodução\fanzine Deusdemoteme.. ? (Arquivo Pessoal: Slanderer)


Outra banda da capital maranhense que também seguiu a linha death\black\noise foi a Sânzia, power trio formado por Jason (v), Érico (g) e Jônio ‘Come Bala’ (bt). O grupo fazia um som bem agressivo, e além de músicas próprias, faziam um cover de “Devastation and Massacre”, da banda paulista de grindcore No Sense. A Sânsia tocou em um dos shows, na calçada da casa de Carlos ‘Pança’ (Amnésia), no bairro Cohatrac, de corpse paint.

Grindcore

Com esse cenário mais definido, no início dos anos 90, mais especificamente em 1991, surge a Ânsia de Vômito, inicialmente executando um grindcore com fortes influências do Napalm Death e bandas punk/HC/grind/noise nacionais.

A primeira formação contou com os irmãos Jonas (g) e Jacob (v), e ainda: Sérgio ‘Besteira’ (bt) e João Pedro (bx). A segunda formação contou com Jacob (v), João Pedro (agora como guitarrista), Anuar Sadat (bt, ex-Raiser Death), Natanael Jr (g, ex-Coma Alcoólico) e Burg (bx, ex-Revertério). Com esse line up, a banda adicionou ingredientes mais death metal à sonoridade, começando também a ocupar espaço no underground nacional. 

Burg, João Pedro, Natanael Jr, Jacó e Anuar \ Arquivo Pessoal-João Pedro

Natanael Jr, Anuar, Jacó (de costas), Burg e João Pedro (de costas) \ Arquivo Pessoal-João Pedro

João Pedro (ao fundo), Burg e Natanael Jr (ao vivo\Arquivo Pessoal-João Pedro)

Com essa formação, após vários shows em São Luís e um em Teresina (PI), por volta de 1996 (primeira incursão fora do Maranhão), o grupo começa a se consolidar e demonstrar maturidade para um registro. Mas, foi somente em 1998 que a banda lançou a primeira demo-tape oficial, já com outra formação: Mondego (v), João Pedro (g), Natanael Júnior (g), Playmobil (ex-Amnésia\bx) e Rafael Lobato (bt).  

João, Mondego, Rafael, Playmobil e Natanael Jr (1998) Foto: Clarissa Lobato


Resenha "Angelique" (dt-1998) na Rock Brigade (Reprodução)

Angelique” conta com cinco faixas autorais (Brutal Survival, The Garden Of Flesh, Angelique, Pandemônio e Unreal World), e recebeu comentários positivos em vários zines e revistas nacionais. A banda levou esse material e tocou em alguns estados, como Piauí, Pará, São Paulo e Paraná. 

Ânsia de Vômito - backstage, Belém (PA) 2000

Ainda na primeira metade dos anos 90, surgem outras expressões contundentes na seara death/grind/black, como a Hecatombe, que contava com Charlie Brown (v), Nyelson Webber (bx), Arlam (g) e Wesley (bt). A banda transitava entre o death metal e o death/black.

Com essa formação lançaram uma demo-tape, à época, com qualidade notável para o estilo, em meados dos anos 90. Após algumas aparições marcantes em shows pela cidade, encerraram as atividades, dando origem a duas outras bandas, que também marcaram espaço no underground local. Nyelson Webber (bx/v) e Wesley (bt) adicionaram outro guitarrista, Nynrod Webber, fundando o Tanatron

Tanatron, com Burg (g), Nynrod (g) e Nyelson (v\bx)

Já Charlie Brown (v), alguns anos depois, iniciou os trabalhos da Nanroth Black Torn, já com uma sonoridade mais legitimamente black metal. A banda lançou pelo menos dois demo-CDs.