domingo, 15 de janeiro de 2017

Parte 5 - Lembranças do pop-rock de São Luís do final dos anos 80 ao começo dos anos 2000


Por Paulo Pellegrini – jornalista e músico


Na década de 80, era possível ouvir pop-rock em São Luís nas festas animadas por grandes bandas de baile, como O Peso e Os Fantoches, que, no meio do vasto repertório de inúmeros estilos musicais, sempre tocavam músicas de novela, sucessos internacionais e um ou outro rock nacional.

Pelo menos uma banda despontou até a primeira metade da década: a Morcego Vermelho, que viraria a Pirâmide, cuja canção autoral “Política” ficou no imaginário de muitos roqueiros. A banda tinha entre os integrantes Maurício Éverton, que montaria depois o Estúdio e Produtora Metanóia, no Edifício Caiçara; e Gil Estrela.


Alexander de Carvalho (Daphne) e Maurício Éverton (Morcego Vermelho\Pirâmide), em 1996



Carlos Pança e Pedro Cordeiro lembram também das bandas Camisa de Força e Filhos da Revolução.

Pança: “Camisa de Força... talvez a primeira banda de pop-rock que emplacou duas músicas que rodaram intensamente nas rádios FM maranhenses durante pelo menos uns dois meses – incluindo aqui a famigerada Cidade FM. Uma dessas músicas era a famosa “Cabaço”, que, por sinal, era uma letra de Joacy James que os caras viram e adotaram. (...) Nela tocaram caras como Maurício Alicate, que logo depois, junto com Eduardo (que era o batera da banda) participou da primeira formação da banda Fome”.

Pedro Cordeiro: “Nessa vertente havia também Camisa de Força e Filhos da Revolução (que só vi uma vez). Também Cabelo de Alma”.


O antológico show de Lobão e dos Titãs no Ginásio Champagnat, no Colégio Marista, em 1986, aglutinou milhares de roqueiros (fala-se em 8 mil pessoas!) e serviu como inspiração para que o palco abrigasse pelo menos uma apresentação dos Aranhas Boys, uma banda satírica de professores, liderada pelo professor Lobão, de Biologia, futuro sócio do cursinho Aprovação.

O Marista também foi a origem da Digital 4, cujo momento glorioso foi o show no Terreiro da Cidade (local que abrigava nas décadas anteriores um estádio de futebol e que hoje é a Igreja Universal do Reino de Deus, no Diamante), em que Jayr Torres levantou o público com o solo clássico de Sultans of Swing, sob o olhar embevecido do vocalista Glaydson Penha, o atual cantor Glad.

Glad relembra:

“O rock no Maranhão nos anos 80! Me orgulho de fazer parte dessa história com a banda Digital 4 com primeira formação: Eu, Leandro Brunno (Leandro Silveira), Ibrahim Assub Júnior e Alex Carneiro. Segunda formação: eu, Jayr Torres, Marcelo (baterista) e Alex Carneiro”.


Banda Digital 4 - Glad, Alex Carneiro, Leandro Silveira, Ibrahim Assub (1988)



Em 1988, Alexander de Carvalho e os irmãos Paulo e Cesar Pellegrini fundaram a Pop Brasil, que logo mudou de nome para Daphne. O primeiro show da Daphne foi na Boate Apocalipse do Hotel Vila Rica, em 1990.

Também em 1990, Adriano Corrêa (guitarra) e Eldro César (bateria) fundaram a Alcmena. Podemos atribuir à Alcmena o mérito de abrir os bares de São Luís para shows regulares de pop-rock. A banda fez temporadas marcantes no La Rotisserie (Av. Castelo Branco) e no segundo piso do Monumental Shopping, sempre para grandes públicos.


Daphne e Alcmena: Foto promocional das duas bandas para show no Teatro Viriato Correa, em 1997. Tirada no Estúdio ABBA Sound. Da esq. para a dir.: Otávio Parga, Paulo Pellegrini, Reuber Cunha, Nuna Gomes, Alexander de Carvalho, Adriano Corrêa, João Filho e Miguel Mussalem


Em 1991, quatro irmãos de São José de Ribamar procuraram a Daphne para organizar shows de projetos. Era a Paul Time, cujo nome homenageava Paulo, um quinto irmão da família precocemente falecido. Outras bandas de pop-rock que despontavam à época eram a Face Oculta, a Estado Nítido (do vocalista Valério Valente), a Palavra de Ordem e a Legião Cover.

A Legião Cover é a única das bandas de pop-rock do início dos anos 90 que sempre esteve em atividade até os dias atuais. Naquele período, a formação mais conhecida era Zuilton Guimarães (voz), Benone Carvalho (baixo), Jean Charles (guitarra) e Aziz (bateria).

A Palavra de Ordem tinha como vocalista o estudante de Comunicação Cassiano Viana, além de Ronaldo (guitarra) e Carlão (bateria). O tecladista da Daphne Paulo Pellegrini participou da banda por alguns meses em 1992.

Nunca é demais lembrar das três edições do São Luís Rock Show, em 1990, 1991 e 1992, produzidas por Jorge Capadócia, possivelmente até hoje o maior evento de rock, para bandas locais, já feito na capital maranhense. Somando as três oportunidades, mais de 30 bandas participaram, de todos os tipos e vertentes.

Entre as atrações, um cantor e compositor que costumava se apresentar na Galeria Éden, na Rua do Egito, alternando canções da MPB com um repertório autoral que já se mostrava interessante. No São Luís Rock Festival, o artista “provocou” o público: “vocês querem ouvir uma lambada?”.

Atônitos, os espectadores ficaram apreensivos. E o cantor começou realmente uma lambada, mas que durou cerca de dez segundos, encerrada por um definitivo “Acabou!”.
Seu nome? Zeca Baleiro.

Filhos da Revolução, Whydia, Daphne, Ácido, Fome, Lúgubre, Ânsia de Vômito, Amnésia, Nirvana (totalmente por acaso homônima da de Seattle), Ruminando Cogumelos, Loucura Elétrica... Algumas das bandas que tocaram nas diversas edições do São Luís Rock Show.

Sino César, um dos fundadores da Loucura Elétrica, lembra:

“E a Ruminando Cogumelos, de Athos? No primeiro São Luís Rock Show, eles e nós fomos escolhidos ‘bandas revelação’. Cabe uma curiosidade aí: nós (Loucura) tocamos no último dia, e a ‘banda revelação’ já tinha sido escolhida (Ruminando). Depois que terminamos o show, Jorge deu o anúncio que seriam duas ‘bandas revelação’: a Ruminando Cogumelos e Loucura Elétrica. Tanto que tocamos de novo no final do festival, depois da Ruminando”.

Sobre a Loucura Elétrica, do vocalista Fernando e do tecladista Jean Feres, especialista em sons progressivos ao estilo Led Zeppelin e Deep Purple.

Sino César revela:

“...A formação original da Loucura Elétrica: eu (que batizei a banda), Avilásio Maranhão, Márcio Major, Ricardo Gordo e Ricardo Braga. Depois vieram Fernando, Jean, Tico, entre outros”.

Por volta de 1992, o guitarrista da banda O Peso, Pepê Júnior, lançou um LP solo, que, apesar de algumas misturas, pode ser enquadrado como um disco de pop-rock, na pegada Lulu Santos e Pepeu Gomes. Uma das faixas, “Fofocadinho”, era uma provocação ao guitarrista Edinho Bastos.

Apesar de ser uma banda de hard-rock, a Whydia mantinha uma proximidade com os grupos de pop-rock. Os ensaios da Whydia e da Daphne aconteciam em casas vizinhas e sempre era possível ver as duas bandas realizando jam sessions.

Diversos músicos tocaram na Whydia, além do vocalista Elvis: Cutrim Stones, Maurício, Nelsinho, Carlão, Jorginho Ribeiro e Tony Ilha, este já falecido.

Em termos de gravações, é possível lembrar dos promos “Acreditar”, da Daphne, e “Vice-Versa”, da Estado Nítido, gravados em 1991 e que tocaram na Rádio Mirante FM por algum tempo.

Entre 1994 e 1996, a Daphne gravou no Estúdio Sonato as faixas que comporiam o CD “Semblantes”, o primeiro CD de rock do Maranhão. Em 1997, a Paul Time lançaria seu primeiro CD, de título homônimo. A faixa “Palavras Erradas” virou vídeo-clip que chegou a ser exibido na MTV Brasil.

Ingresso do show de lançamento do CD Semblantes, o primeiro CD de uma banda de rock maranhense, em 29081996, no Teatro Arthur Azevedo

1996 registrou um grande evento no Ginásio Costa Rodrigues, promovido pela Rádio Mirante FM: o Ilha Rock Festival.

Diferentemente do que acontece hoje, em que as bandas estão praticamente confinadas a poucos espaços da Praia Grande e da Lagoa da Jansen, o pop-rock maranhense dos anos 90 circulava por diversos bairros de São Luís. Era comum ter eventos no Clubão da Cohab, nas Associações dos Moradores do Cohatrac e do Maiobão, em festivais na Praia do Calhau, no Centro de Convenções da UEMA e nas boates Gênesis e Tucanu’s.

Já o bairro do São Francisco possuía pelo menos três espaços marcantes de shows. O mais famoso foi o Clube do Bento, mais apropriado para o rock pesado, mas também houve shows importantes, de várias vertentes do rock, no Equator (Av, Ana Jansen) e no andar de cima da loja Maison Suisse, atual Extrafarma, em frente ao Hiper Bom Preço da Avenida Colares Moreira. O restaurante Peixe na Telha, na Ponta do Farol, foi mais um local que abrigou diversos shows de rock na década de 90.


Mais duas bandas dos anos 90 merecem ser lembradas: a Maska Potó, de Paulo Renato, Alexandre ‘Repolho’, Marfilho, Lúzio e Marcelo Rebelo. O grupo retornou às atividades com outra formação e outro nome, Zappen, mantendo o vocalista, Paulo Renato.


Agradecendo aos comentários e acréscimos, reitero que esse texto foi feito totalmente baseado em memórias pessoais, que são, certamente, bem falhas.


Tanto que eu mesmo vou acrescentar uma banda importante que está faltando, que me veio à mente um dia desses: Los Boddah.

Um projeto capitaneado por Kit Cavalcante (Kit Boddah), que começou fazendo covers do Nirvana, por volta de 1992 e depois investiu em autorais também. Hoje, Kit tem um projeto de reggae, o Juba de Leão, além de ter sido uma figura importante como promotor de discos, em lojas especializadas.


Segundo ciclo 


Simbolicamente, a morte de Renato Russo e o advento de bandas como Chico Science e Nação Zumbi e O Rappa trouxeram como efeito para o pop-rock de São Luís o surgimento de bandas com som mais híbrido. Passou a ser comum que os eventos de rock abrigassem bandas de reggae, mangue beat, hip-hop e fusões em geral.

Uma banda que simbolizava bem essa época foi a Com Fusão Pop, apadrinhada pelo radialista Gilberto Mineiro, que infelizmente durou pouco tempo.

Esse espírito motivou produtores e jornalistas culturais como Eduardo Júlio e Alex Palhano a desafiarem bandas para criar versões diferentes de músicas da MPB no Festival do Canto do Tonico, na Praia Grande, em 1999. Entre as bandas concorrentes, estavam a Samsara, que venceu, a Areias e a T.A. Calibre 1.

Todas essas bandas fizeram despontar músicos que fariam carreiras importantes nos anos seguintes, como Ramúsyo Brasil, Costelo, Ana Areias, Miguel Ahid, Bruno Barata e Eduardo Patrício.

O bar Porto Livre, do empresário Lula Fylho, foi um espaço aglutinador de bandas e DJ’s entre 1997 e 1999, e testemunhou o surgimento da General Purpose, cuja célula básica (o baterista Franklin Nazarus, o guitarrista Érico Monk e o baixista Jorge Ribeiro) se transformaria tempos depois na Nimbus Paradisia, sob os vocais de Erin Cy. Outra banda que apareceu no final dos anos 90 foi a Guinevere.

Com um som mais próximo da MPB, podemos destacar os projetos Mandorová, de Ramúsyo, e Boca de Lobo, de Assis Medeiros, Ana Areias e Hamilton Oliveira.

Mas o grande fenômeno do início dos anos 2000 foi o trio Catarina Mina, cujo nome original era Mr. Claus. O projeto teve como embrião os festivais de música popular promovidos pelo bar Zanzibar, na Litorânea, quando as canções de compositores como Djalma Lúcio e Fábio Abreu começaram a ser conhecidas.

A Catarina Mina em si acabou se restringindo a Djalma (voz e violão), Bruno Azevedo (baixo) e Eduardo Patrício (bateria) e arrebatou fãs por toda a cidade, apostando em um som autoral e releituras que iam de Valdick Soriano a The Smiths.

O EP de quatro músicas da Catarina Mina, de 2002, transformou em sucesso as canções “Traduzindo” e “Haicai”. Neste mesmo período, saiu o segundo CD da Paul Time, chamado “Espermatozóide” e, um ano antes, o segundo da Daphne, “Por que não?”. 



Para mais informações e\ou correções: adalbertopcjunior@gmail.com